20/01/2012

"Sonhei primaveras longínquas..."



São Paulo vista do alto, com sua camada cinza de vários quilômetros de extensão



Ao abrir o meu arquivo de textos antigos esbarrei com esse texto de abril de 2010, em que morava ainda em São Paulo, inconformado com a poluição absurda, com os engarrafamentos, com a insalubridade constante e permanente de uma cidade com mais de 10 milhões de habitantes. Se bem que não existem muitas cidades com mais de 10 milhões no mundo, o que coloca São Paulo fora da curva, e o paulistano em uma situação paradoxal: quanto maior é a vontade de sair, mais medo dá! 


 .   .   .


Em seu “Breviário de decomposição”, o filósofo romeno Cioran, radicado na França nos anos 50, nos relata um desejo persistente do homem moderno: o desejo de estar sempre em outro lugar. O que será que acontece com a gente que nunca estamos satisfeitos com a vida, sempre precisamos de algo mais, um salário melhor, uma casa melhor, mudar de cidade, sair mais com os amigos, viajar...?

A insatisfação é inerente ao humano, já dizia Freud, e é por isso mesmo que a vida tem graça: porque nunca estamos plenamente satisfeitos. É essa insatisfação que nos obriga a buscar sempre melhores condições de vida, de trabalho, de felicidade, que nos obriga a acordar todos os dias pela manhã e querer sempre um pãozinho fresco. A satisfação plena significaria a morte, pela inércia que ela provoca. Se tudo estivesse plenamente bem, não precisaríamos levantar da cama, trabalhar, nem mesmo conversar com os outros. A homeostase, palavra que vem da biologia pra significar o equilíbrio dentro do nosso corpo, pode ser utilizada também para nossa alma. O equilíbrio perfeito exige que não nos mexamos, para que não pendamos nem para um lado nem para o outro, para não perdermos o equilíbrio. O sonho viria dessa insatisfação também. Se tudo estivesse bem, provavelmente não sonharíamos mais. E a cessação do desejo, nesse sentido, de não querermos mais alguma outra coisa, seria a própria morte.

Há algumas semanas ouvi uma pesquisa do IBGE no rádio, que dizia que mais de 60% dos paulistanos gostariam de sair de São Paulo e morar em outro lugar. Não me espantei com o desejo, pois compartilho dele, mas com o número. Sempre imaginei que, assim como eu, muitas pessoas não suportam viver nessa cidade de loucos que é São Paulo, com seu trânsito caótico, com cheiro de asfalto, com as crianças “empinando pipa por trás da janela gradeada do apartamento”, como diria um amigo meu. Que não há qualidade de vida em São Paulo, isso todo mundo sabe. E reclama. Mas 60% é muita gente! Significa que mais da metade da população não suporta mais viver nessa cidade e gostaria de se mudar! Mas não se muda. E aí entra outra característica do desejo: o ser humano gosta de reclamar, mas não suporta a mudança! A maioria de nós pensa que, fora de São Paulo, não há trabalho, não há supermercado 24h., não há médicos ou hospitais. Nós vivemos tão alienados nessa cidade maluca que temos a impressão que fora daqui só existem selvas e macacos, que não existe vida civilizada que assegure uma boa escola, um bom emprego.

Felizmente, isso não é verdade. Todos os meus amigos que conseguiram acordar da inércia alienada e se mudaram de São Paulo estão muito bem, obrigado. Conseguiram bons empregos – melhores que os empregos daqui!!! -, seus filhos estudam em boas escolas, e ainda conseguiram algo que só conhecemos nos romances ou novelas: conseguem ficar mais tempo com os filhos, vão almoçar em casa todos os dias, respiram ar puro, demoram 5 minutos para chegar no trabalho. Em suma, descobriram que é possível ter uma qualidade de vida melhor sem precisar abrir mão do mundo civilizado. Quanta coragem precisamos ter para mudar? Às vezes, é melhor a infelicidade conhecida do que a felicidade desconhecida, não é mesmo?

.   .   .

Hoje, há um ano e meio em Salvador, posso responder a mesma coisa: estou bem profissionalmente, meu filho estuda em uma boa escola, tão boa quanto as melhores escolas de São Paulo, e consegui realizar aquele desejo meio mítico de qualquer paulistano: almoço em casa todos os dias, e demoro não 5, mas 20 minutos pra ir e voltar do trabalho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário