São Paulo vista do alto, com sua camada cinza de vários quilômetros de extensão |
Ao abrir o meu arquivo de textos antigos esbarrei com esse texto de abril de 2010, em que morava ainda em São Paulo, inconformado com a poluição absurda, com os engarrafamentos, com a insalubridade constante e permanente de uma cidade com mais de 10 milhões de habitantes. Se bem que não existem muitas cidades com mais de 10 milhões no mundo, o que coloca São Paulo fora da curva, e o paulistano em uma situação paradoxal: quanto maior é a vontade de sair, mais medo dá!
. . .
Em seu “Breviário de decomposição”, o filósofo romeno
Cioran, radicado na França nos anos 50, nos relata um desejo persistente do
homem moderno: o desejo de estar sempre em outro lugar. O que será que acontece
com a gente que nunca estamos satisfeitos com a vida, sempre precisamos de algo
mais, um salário melhor, uma casa melhor, mudar de cidade, sair mais com os
amigos, viajar...?
A insatisfação é inerente ao humano, já dizia Freud, e é
por isso mesmo que a vida tem graça: porque nunca estamos plenamente
satisfeitos. É essa insatisfação que nos obriga a buscar sempre melhores
condições de vida, de trabalho, de felicidade, que nos obriga a acordar todos
os dias pela manhã e querer sempre um pãozinho fresco. A satisfação plena
significaria a morte, pela inércia que ela provoca. Se tudo estivesse
plenamente bem, não precisaríamos levantar da cama, trabalhar, nem mesmo
conversar com os outros. A homeostase, palavra que vem da biologia pra
significar o equilíbrio dentro do nosso corpo, pode ser utilizada também para
nossa alma. O equilíbrio perfeito exige que não nos mexamos, para que não
pendamos nem para um lado nem para o outro, para não perdermos o equilíbrio. O
sonho viria dessa insatisfação também. Se tudo estivesse bem, provavelmente não
sonharíamos mais. E a cessação do desejo, nesse sentido, de não querermos mais
alguma outra coisa, seria a própria morte.
Há algumas semanas ouvi uma
pesquisa do IBGE no rádio, que dizia que mais de 60% dos paulistanos gostariam
de sair de São Paulo e morar em outro lugar. Não me espantei com o desejo, pois
compartilho dele, mas com o número. Sempre imaginei que, assim como eu, muitas
pessoas não suportam viver nessa cidade de loucos que é São Paulo, com seu
trânsito caótico, com cheiro de asfalto, com as crianças “empinando pipa por
trás da janela gradeada do apartamento”, como diria um amigo meu. Que não há
qualidade de vida em São Paulo, isso todo mundo sabe. E reclama. Mas 60% é
muita gente! Significa que mais da metade da população não suporta mais viver
nessa cidade e gostaria de se mudar! Mas não se muda. E aí entra outra
característica do desejo: o ser humano gosta de reclamar, mas não suporta a
mudança! A maioria de nós pensa que, fora de São Paulo, não há trabalho, não há
supermercado 24h., não há médicos ou hospitais. Nós vivemos tão alienados nessa
cidade maluca que temos a impressão que fora daqui só existem selvas e macacos,
que não existe vida civilizada que assegure uma boa escola, um bom emprego.
Felizmente, isso não é verdade.
Todos os meus amigos que conseguiram acordar da inércia alienada e se mudaram
de São Paulo estão muito bem, obrigado. Conseguiram bons empregos – melhores
que os empregos daqui!!! -, seus filhos estudam em boas escolas, e ainda
conseguiram algo que só conhecemos nos romances ou novelas: conseguem ficar
mais tempo com os filhos, vão almoçar em casa todos os dias, respiram ar puro,
demoram 5 minutos para chegar no trabalho. Em suma, descobriram que é possível
ter uma qualidade de vida melhor sem precisar abrir mão do mundo civilizado.
Quanta coragem precisamos ter para mudar? Às vezes, é melhor a infelicidade
conhecida do que a felicidade desconhecida, não é mesmo?
. . .
Hoje, há um ano e meio em Salvador, posso responder a mesma coisa: estou bem profissionalmente, meu filho estuda em uma boa escola, tão boa quanto as melhores escolas de São Paulo, e consegui realizar aquele desejo meio mítico de qualquer paulistano: almoço em casa todos os dias, e demoro não 5, mas 20 minutos pra ir e voltar do trabalho.
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