17/01/2012

Em uma das mansardas da Terra - Cioran





"Sonhei primaveras longínquas,
um sol que só iluminava a espuma das ondas
e o olvido de meu nascimento,
um sol inimigo do sol e desse mal de só encontrar em toda parte
o desejo de estar em outro lugar.

Quem nos inflingiu a sorte terrestre,
quem nos acorrentou a esta matéria morosa,
lágrima petrificada contra a qual - nascidos do tempo - nossos prantos se despedaçam,
enquanto que ela, imemorial, caiu
do primeiro estremecimento de Deus?

Detestei os meios-dias e as meias-noites do planeta,
ansiei por um mundo sem clima,
sem as horas e este medo que as incha,
odiei os suspiros dos mortais sob o volume das eras.

Onde está o instante sem fim e sem desejo,
e esta vacância primordial,
insensível aos pressentimentos das quedas e da vida?
Busquei a geografia do Nada,
dos mares desconhecidos,
e outro sol, livre do escândalo dos raios fecundos;
busquei a oscilação de um oceano cético
onde se afogariam os axiomas e as ilhas,
o imenso líquido narcótico e suave e cansado do saber.

Esta terra, pecado do Criador!

Mas não quero mais expiar as faltas dos outros.
Quero curar-me de meu nascimento
em uma agonia fora dos continentes,
em um deserto fluido,Cioran, E. M. (1949).
em um naufrágio impessoal."



Breviário de decomposição. Rio de Janeiro : Rocco, 1989.






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