20/01/2012

Cortar um texto





Não fico lá muito feliz quando preciso cortar um texto para que ele caiba no projeto editorial do meio em que será publicizado, seja um artigo, um boletim, ou até uma apresentação em um seminário ou congresso.

Por exemplo, não vejo motivo para cortar um texto de um boletim online, que não tem limite de páginas, não tem gasto extra para a impressão de mais ou menos papel, não tem a questão do tempo, tão urgente em nossos dias. Se fosse em um Congresso Científico, por exemplo, com uma apresentação de trabalhos em discussões públicas, o tempo em geral é limitado para que todos tenham seu direito de falar preservado. Mas isso está ausente em um boletim online. Nem gasto extra, nem atentado contra os eco-conscientes que denunciam o desperdício de papel, nem disputa pelo tempo.

Mas mesmo para um Congresso, a exigência padrão de limitar o texto em 6.000 caracteres é frustrante: quando a gente começa a esquentar no desenvolvimento do texto, quase chegando ao clímax, PUF!, é hora de parar, concluir de maneira seca e rever o texto todo, buscando as digressões e exemplos, vítimas dos primeiros cortes.  E passamos, e revemos, e mandamos o texto costurado com a impressão que falta alguma coisa a dizer...

Acho importante o exercício da leitura e da escrita para a construção das idéias, principalmente em Psicanálise. O saudável exercício de escrever inclui trabalhar as idéias, implica uma introdução, um desenvolvimento, um fechamento. Nós trabalhamos e organizamos as idéias em nossa cabeça, quando escrevemos.

Atualmente, esse trabalho que existe na escrita está sendo deixado de lado pela simples preocupação moderna em “informar”, ao passo que o que está em questão é a formação, não a informação. A formação, através da leitura e da escrita, necessita de um tempo diferente deste que é exigido pela pós-modernidade.

Hoje em dia, reduzimos nossa formação ao mínimo possível, pois não há tempo a perder lendo um texto muito grande. Preferimos nos informar com as manchetes, ao invés de lermos a matéria toda. Preferimos ler um comentário do seminário de Lacan, ou o comentário do comentário (quanto menor melhor), ao invés de "perdermos nosso tempo" lendo o seminário inteiro. Sem tempo para textos longos ou difíceis, sucumbimos também à era dos tweets, último e mais econômico recurso para remediar o empobrecimento, em última análise, do próprio laço social. Que tipo de reflexão pode ser alimentada com argumentações de 3 linhas? Ou melhor: que tipo de reflexão queremos propiciar em nossos interlocutores, com argumentações de 3 linhas? Que tipo de formação queremos?

Vivemos em um mundo que alardeia a velocidade da informação, que se orgulha em disseminar as comunicações, as informações e as formações, tudo em um tempo acelerado, o mundo em um flash. A cultura da massificação da informação rápida, a internet, o twiter, os cursos à distância, têm obedecido a esta exigência do mercado, oportuna à mediocridade. Os alunos das universidades hoje não sabem mais escrever, pois não precisam mais escrever. Ora, ninguém vai ler, se tiver mais de 3 páginas!

O temor moderno de perder tempo caminha no sentido contrário ao da reflexão, da elucubração, da formação. Pois isso requer tempo. Requer tempo ler um texto de Lacan, assim como requer tempo uma análise. A filosofia requer tempo, a história requer tempo. A apreensão de um conceito, sua assimilação e acomodação, para possibilitar uma futura refutação e reorganização das idéias requer tempo. Uma formação requer tempo.

A psicanálise, assim, lida com um outro tipo de tempo, faz obstáculo a essa pretensa falta de tempo do tempo hipermoderno. É necessário parar pra ler, não podemos nos satisfazer com essa formação instantânea, lendo tweets de 3 linhas no celular enquanto esperamos o sinal abrir, pensando que, desse modo, aprendemos alguma coisa.

Por outro lado, sou obrigado a reconhecer a face necessária do corte.  Analisar a experiência toda é sempre impossível, pois sempre resta algo a dizer. Um texto é sempre um recorte, e é aí que ele ganha toda a sua importância: no recorte aparece uma escolha, e nessa escolha aparece um sujeito e seu desejo. De nada adiantaria se todos falássemos sobre as coisas do mundo de maneira "completa", pois aí só veríamos o mundo, não o sujeito que fala. Quando fazemos o corte (e o corte é um dos conceitos fundamentais na clínica e na teoria de Lacan) podemos ver o que o sujeito escolheu, o que deixou de lado, e o que fez com aquele pedaço recortado.

O corte ajuda a tirar as coisas da cabeça e coloca-las no papel, a tornar isso tudo um texto, em algo que possa ser transmitido. Ajuda a transformar isso em uma palavra endereçada a um Outro, matriz do laço social. Aqui, o laço social existente em uma comunidade de pesquisa.








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